segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Complexo de Portnoy de Philip Roth

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O Complexo de Portnoy, do autor americano Philip Roth, foi escrito em 1969, no auge da revolução social e sexual que permeava todo um movimento de contestação aos valores da velha ordem, da continuidade, da fixidez puritana. O estilo de Roth é corrosivo, sua lucidez é contundente, seu humor é desconcertante. Calcado fortemente nas apresentações de stand-up comedy de Lenny Bruce e no fino humor de Woody Allen, o livro se apresenta como uma interminável piada de judeu, e seria muito mais engraçado se não fosse trágico.

Portnoy é um bem sucedido advogado judeu que, junto ao seu psicanalista, Dr. Spielvogel, tenta resolver suas frustrações sexuais e conter suas impulsividades lacinantes. No divã, Portnoy fala de sua infância, de sua mãe controladora e onipotente, de seu pai subserviente e vendedor de seguros, de sua irmã balofa e sem voz, de uma atmosfera injetada de auto-comiseração judaica e de um mundo onde a tradição familiar é uma forçosa corda no pescoço, pronta a estrangulá-lo a qualquer momento, principalmente se ele misturar carne com leite, ou for pego se masturbando no banheiro, inebriado pelas coisas do sexo.

Portnoy vive em uma constante contradição. Seu complexo: fortes impulsos éticos e altruístas em contraposição a anseios sexuais extremos, comumente imbuídos de uma natureza pevertida, tudo isso ligado a um avassalador sentimento de culpa e a uma incapacidade de sentir prazer. Durante o livro, narrado em primeira pessoa, toda sua vida é repassada na tentativa de encontrar a cura para seu complexo. Portnoy é um devasso em um mundo repressor e punitivo, é uma peça sem encaixe na máquina das relações socialmente aceitas, é uma mancha em um vestido de gala, feito para a ostentação e para o deslumbramento, mas que traz o repugnante estigma do perverso, da depravação e do desvio, em um mundo que não permite a diferença, a alteridade e as roupas manchadas.

Somos guiados pela escrita precisa e fluída de Roth através do monólogo lamentoso e hilário de Portnoy, em seus assombros e desencontros, em seus desatinos e confusões, gargalhando de sua vida vazia e sem sentido, sem prazer, sem gozo, paralizada pelo medo e culpa, pelas normas sociais impostas e arbitrárias, pelo desejos e impulsos imponderáveis. Portnoy tenta incessantemente fugir de sua natureza corrompida e nefasta, incapaz de se hamonizar com o universo insípido e asséptico em que vive, apenas para cair em mais trangressões e disparates, para se chafurdar mais uma vez na vida real, com seus suores, com sua sujeira, com seus desejos humanos (e como são humanos, somos nós!) e mundanos, com uma boa trepada, com o belo sexo de uma bela mulher. Portnoy busca a vida real, com toda a lama que ela pode proporcionar, mas esse mundo é demasiamente sujo para ser aceito e integrado em seu próprio eu. Sua culpa não permite, sua educação rejeita, seus ideais vociferam e o aterrorizam.

Rimos compulsivamente de Portnoy, e rimos de nós mesmos. Seus sofrimentos são caricaturas genuínas de nosso próprio mal-estar, do nosso próprio desencontro entre pólos conflitivos, entre a razão e o desejo, entre a compreensão e o devaneio. Brutalizado pelas suas escolhas, pelos seus desejos, pelos seus sentimentos, Portnoy tenta fugir, sumir de si mesmo, se abstrair e busca a cura terapêutica. Seu final é ambíguo, pois não nos é possivel saber se essa cura será a aceitação de si mesmo, com todos os seus desatinos (desatinos?), ou a conformidade às normas que tanto o levam a destruição de si mesmo....

* Capa da primeira edição de Portnoy's Complaint, de 1969.